Não tinha vestígios de barba na cara, o menino, nem pêlo no saco, e ainda estava na exaustiva fase dos “porquês”. “Porque” tudo, tudo era “porque”. Quem visse de longe perceberia uma digna intenção de afirmar posições ou fundamentar princípios. Balela! Era tudo curiosidade, e um tantinho de ousadia!
O pai lia o jornal com a classe que um jornal merece ser lido.
- Pai, somos ricos?
O pai se espantou com a pergunta do Zé. O menino não era de dar bola para isso.
- Sim. Digo, não! – o pai foi pego de calças curtas – Ora, somos, mas o papai batalhou com muito suor e...
- Sim ou não, pai?
O pai se lembrou da leitura interrompida e da dimensão que o bate boca podia tomar. Engoliu a humildade em favor de seu sossego.
- Sim.
Os olhos voltaram para o jornal num movimento mecânico, e após um gesto bruto, o jornal que havia se dobrado de molenga tomou de novo sua postura rija.
- Pai, somos da esquerda?
O jornal tornou a brochar. O pai suspirou, e pareceu suspirar paciência.
- Sim, mas você pode escolher.
- Escolher o que?
- Direita ou esquerda, oras! Não é disso que você esta falando?
- Sim! Mas eu escrevo com a mão direita.
O pai percebia algum transtorno no diálogo.
- Isso não diz nada.
- Mas você é de esquerda, não é pai?
- Bem... Sim!
- Então eu também sou!
O pai riu, degustando a admiração do filho. Sentiu-se o mais pai que poderia se sentir.
- E você lá sabe o que é esquerda?
O Zé ficou meio confuso.
- Não sei não. Mas vou tratar de virar canhoto...
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